segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Massacre de índios em acampamento em Amambaí - Notícia

De: *Flávia Costa*
Data: 19 de novembro de 2011 18:04
Assunto: Enc: Massacre de índios em acampamento em Amambaí
Para:

**

Prezad@s amig@s:

Como muitos de vcs já devem ter visto pela internet, a cidade de Amambai/MS
vivenciou ontem (18/11) mais um caso de massacre à população indígena
Guarani Kaiowá. Como forma de protesto, os alunos indígenas da
Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS) - Unidade de Amambai,
incentivados pela professora e antropóloga Aline Crespe, escreveram uma
carta contando os detalhes do acontecimento.
A situação em que vive a população indígena no Mato Grosso do Sul não é
nada simples, os casos de violência são muito frequentes e nos remetem
mesmo a uma situação de extermínio racial.
Peço, por favor, que divulguem entre os seus contatos o depoimento da
professora e a carta escrita pelos alunos indígenas.

Grata,

Flávia Carolina da Costa.

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Massacre de índios em acampamento em Amambaí
Ontem pela amanhã, ao abrir meu e-mail, recebi mais uma triste notícia de
uma situação de violência contra um grupo indígena acampado em uma área em
litígio e a espera da continuidade do processo de regularização fundiária
da terra indígena. O acampamento se localiza em Amambaí, sul de Mato Grosso
do Sul, a menos de cem quilômetros da fronteira com o Paraguai. O
acampamento está localizado em uma pequena parte da área de ocupação
tradicional chamada *Guaiviry. *A área esta inserida no conjunto de terras
indígenas que deverão ser demarcadas no Mato Grosso do Sul. O processo de
identificação destas áreas começou em 2007 e desde então vem sido
repetidamente interrompido pelos conflitos políticos que o envolve.
Enquanto isso, repetidos atos de assassinatos contra grupos indígenas que
aguardam pela identificação e demarcação destas áreas vem ocorrendo. A
situação de insegurança e medo vivido pelas populações indígenas é
insustentável. No ano passado a Survival Internacional publicou um
importante relatório denunciando a situação das populações guarani no
estado de Mato Grosso do Sul. Fiquei chocada com o que aconteceu e sabia
que não tinha como ficar quieta, não falar nada ou fingir que estava tudo
bem. Sou professora na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul na
unidade de Amambaí, no curso de ciências sociais. Fique pensando como daria
aula para os estudantes indígenas naquele dia. Então, fui conversando com
os alunos, um a um, e marcamos de nos reunirmos todos para conversamos, até
que eles decidiram por escrever uma carta. A carta foi escrita por eles
ficando como minha responsabilidade a divulgação dela. Na carta, como vocês
poderão ver, um aluno da história e morador da aldeia de Amambaí fala algo
muito parecido com o que Marcos Homero Ferreira Lima, antropólogo do MPF de
Dourados diz para a Survival sobre um acampamento de beira de estrada
localizado as margens da BR 163 no município de Dourados. Homero diz: *Não
se trata de hipérbole quando se fala em genocídio, pois, a série de eventos
e ações perpetradas contra o grupo, como se objetivou demonstrar, desde o
final da década de 1990, tem contribuído para submeter seus membros a
condições tolhedoras da existência física, cultural e espiritual. Crianças,
jovens, adultos e velhos se encontram submetidos a experiências degradantes
que ferem diretamente a dignidade da pessoa humana. O modo de vida imposto
àqueles Kaiowá é revelador de como os brancos vêem os índios. O
preconceito, o descaso, o descuido, a não consideração dos direitos à
terra, à vida, à dignidade são patentes. A situação por eles vivenciada é
análoga àquela de um campo de refugiados. É como se fossem estrangeiros no
seu próprio país. É como se os 'brancos' estivessem em guerra com os índios
e a estes últimos só restasse a fina faixa de terra que separa a cerca de
uma fazenda e a beira de uma rodovia.*
A crueldade do caso envolvendo o acampamento e a truculência dos
assassinos não pode ser tratada como mais um caso de violência. Estamos
vivendo uma guerra de fato, mas é uma guerra que só morrem pessoas de um
lado.
Segue a carta dos estudantes Guarani e Kaiowa dos cursos de ciências
sociais e história. As informações contidas na carta foram recebidas por
pessoas que estavam no acampamento na hora do massacre. Peço, por
gentileza, que ajudem na divulgação para que possamos agregar mais gente na
luta contra a violência contra os povos indígenas.

*Por volta das seis horas chegaram os pistoleiros. Os homens entraram em
fila já chamando pelo Nísio. Eles falavam segura o Nísio, segura o Nísio.
Quando Nísio é visto, recebe o primeiro tiro na garganta e com isso seu
corpo começou tremer. Em seguida levou mais um tiro no peito e na perna. O
neto pequeno de Nísio viu o avô no chão e correu para agarrar o avô. Com
isso um pistoleiro veio e começou a bater no rosto de Nísio com a arma.
Mais duas pessoas foram assassinadas. Alguns outros receberam tiros mas
sobreviveram. Atiraram com balas de borracha também. As pessoas gritavam e
corriam de um lado para o outro tentando fugir e se esconder no mato. As
pessoas se jogavam de um barranco que tem no acampamento. Um rapaz que foi
atingido por um tiro de borracha se jogou no barranco e quebrou a perna.
Ele não conseguiu fugir junto com os outros então tiveram que esconder ele
embaixo de galhos de árvore para que ele não fosse morto.*
*Outro rapaz se escondeu em cima de uma árvore e foi ele que me ligou para
me contar o que tinha acontecido. Ele contou logo em seguida. Ele ligou
chorando muito. Ele contou que chutaram o corpo de Nísio para ver se ele
estava morto e ainda deram mais um tiro para garantir que a liderança
estava morta. Ergueram o corpo dele e jogaram na caçamba da caminhonete
levando o corpo dele embora.*
*Nós estamos aqui reunidos para pedir união e justiça neste momento. *
*Afinal, o que é o índio para a sociedade brasileira?*
*Vemos hoje os direitos humanos, a defesa do meio ambiente, dos animais.
Mas e as populações indígenas, como vem sendo tratadas? *
*As pessoas que fizeram isso conhecem as leis, sabem de direitos, sabem
como deve ser feita a demarcação da terra indígena, sabem que isso é feito
na justiça. Então porque eles fazem isso? Eles estão acima da lei?*
*O estado do Mato Grosso do Sul é um dos últimos estados do Brasil mas é o
primeiro em violência contra os povos indígenas. É o estado que mais mata a
população indígena. Parece que o nazismo está presente aqui. Parece que o
Mato Grosso do Sul se tornou um campo de fuzilamento dos povos indígenas.
Prova disso é a execução do Nísio. Quando não matam assim matam por
atropelamento. Nós podemos dizer que o estado, os políticos e a sociedade
são cúmplices dessa violência quando eles não falam nada, quando não fazem
nada para isso mudar. Os índios se tornaram os novos judeus.*
*E onde estão nossos direitos, os direitos humanos, a própria constituição?
E nós estamos aí sujeito a essa violência. Os índios vivem com medo, medo
de morrer. Mas isso não aquieta a luta pela demarcação das terras
indígenas. Porque Ñandejara está do lado do bom e com certeza quem faz a
justiça final é ele. Se a justiça da terra não funcionar a justiça de deus
vai funcionar.*

* Estudantes Guarani e Kaiowá dos cursos de ciências sociais e história e
moradores da aldeia de Amambaí.*

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